sábado, 31 de julho de 2010

Nota de Campo - 30 de julho de 2010

As 22h cheguei ao show de Yuri da Cunha, no Coliseu da Praça de Touros do Campo Pequeno. Yuri é um artista angolano, cantor de ritmos populares de Angola, como o semba e o kizomba, mas também aventura-se pela música romântica, por ritmos afro-caribenhos e cabo-verdeanos, bem como pelo rap e pelo o kuduro. Eu havia comprado o ingresso a uma semana, pelo preço de 20,00 euros, estava interessado em dois aspectos do seu show, no grande número de músicos convidados, entre eles um dos grupos mais famosos do kuduro, os Lambas, e o título do espetáculo, denominado Sou Lusófono, em que além de outras atrações angolanas, como Perola e Bonga (ídolo da kizomba), estavam o português Rui Veloso, o cabo-verdeano Jorge Neto e o rapper luso-caboverdeano Boss AC. Sobre os Lambas, eu estava interessado em vê-los atuando no palco, em perceber a recepção do público e tentar compreender como um grupo de kuduro era enquadrado num show com este perfil, que não me parecia um espetáculo comum para tal. Sobre a denominação do show, Sou Lusófono, estava interessado em perceber como aparecia a tal da lusofonia na retórica do espetáculo, com que seria alegoricamente posta tal “idéia lusófona”.
Já na entrada do coliseu, um grande público circulava, entrando e saindo da arena, pessoas de todas as idades, alguns casais, prevalecendo muitos jovens, mulheres e homens, algumas crianças. Eu ainda não havia encontrado em Lisboa, um ambiente onde a grande maioria reunida era de afrodescendentes e de africanos. “Formou-se uma ilha africana em Lisboa”, ali no Campo Pequeno, centro comercial badalado, junto à praça de touros, onde ocorrem semanalmente as touradas de verão, com um público completamente diferente. Dentro da arena, hoje o espaço estava dividido entre público o sentado e o público em pé. Entrei, circulando pelo público em pé, observando os casais e os grupos de mulheres e homens mais jovens neste espaço. O show demorou cerca de meia hora para começar. Antes disto, música eletrônica. Percebi que o pessoal dos bastidores, entre seguranças e produção do show, havia uma presença mais portuguesa e branca. Na abertura, já se vê a grande produção, entra um grupo de dançarinas brancas vestidas com roupas militares, boina roxa, e no papel de comando um homem negro. Logo em seguida entra Yuri com a mesma referência militar inicia o show. Seria uma referência irônica à lusofonia. Uma satirização da guerra colonial. Talvez. Isto é algo a ser aprofundado mais tarde, revendo as imagens. No palco, um grande número de músicos, à esquerda os instrumentos de corda e bateria, à direita os instrumentos de sopro e percussão. Vários equipamentos de reprodução de imagem acima do palco e uma cobertura completa do show, repleto de câmeras por todos os lados, possibilitando um acompanhamento de todos os ângulos. Ainda se tratando de imagem, apareciam ao fundo do palco, em imagem digital, com freqüência a bandeira de Angola e a alternância das bandeiras de Portugal, Cabo Verde, São Tomé, Guiné Bissau, Moçambique e Brasil. Durante o show alternaram-se os ritmos, as performances, as indumentárias e os músicos convidados. Sempre que Yuri se dirigia ao público chamava pela manifestação da presença dos angolanos, portugueses, caboverdeanos, guineenses, moçambicanos e brasileiros, ao que o público respondia, dando a sensação de que era mesmo possível se identificar a presença de pessoas de todas estas procedências espalhadas pela platéia. A maioria a manifestar-se era angolana, seguida de portugueses, são-tomenses, caboverdeanos e brasileiros. Se via entre a platéia algumas bandeiras, como de Angola e Caboverde, ou em forma de cachecóis e, camisetas e outros panos. Yuri aproveitava para chamar a platéia ao apelo de tal simbologia. Outra forma manifesta dos símbolos da lusofonia foi à ênfase dada pelo artista ao que chamava de seu público de língua portuguesa, “que lhe ama”, repetindo a mesma forma de dizer uma frase com os vários sotaques em língua portuguesa de diferentes países. Além da sensualidade feminina e masculina no palco, com uma mistura de trajes e movimentos corporais coloridos, rápidos e melódicos, o show foi muito divertido, de qualidade, alegre, descontraído, com apelo ao espetacular (luzes, laser, gelo seco, canhões de fogo e papel picado, equipamentos digitais e comandos precisos), com um público cativante. O romantismo português, a melodia compassada da kizomba, o semba, o rap foram se sucedendo até a entrada dos Lambas, com o kuduro. A frente os músicos e dançarinos Bruno King e Tio K, abriram a participação, sendo muito ovacionados, e atrás Yuri anunciou o “Chefe do Estado Maior do Kuduro”, “Na Grelha”, que entrou com o seus movimentos e o tom agressivo, apontado para a platéia, provocando outros kuduristas. O público vibrou bastante, ao meu lado muitos acompanhavam as letras das músicas ou dançavam. Por fim, Yuri volta ao show só e depois acaba com todos os artistas no palco. Descontraidamente, enquanto Yuri canta suas últimas músicas e fala com a platéia, com novas menções a “sua lusofonia”. Enquanto isto, observo ao fundo do palco, sentados, Bonga e Na Grelha conversando num tom bastante amistoso e afável, duas gerações distintas, Bonga, anos 70/80, e Na Grelha, século 21; a kizomba e o kuduro, dois representantes de ritmos considerados nacionais, angolanos, mas com linguagens muito distintas (ao kuduro, muitas vezes, são atribuídas às influências da própria kizomba, além do zuck e do rap). Ao fim do show, agradecimentos de Yuri a deus e a “família” (em muitos momentos do show ele mencionou a “família angolana”, fazendo um apelo ao que considera seu público: a “família”). Apesar da ênfase na lusofonia, incluindo Brasil e Portugal, o show foi muito mais voltado para um público africano e carregado da expectativa de ser africano em português. O show acaba, as pessoas se dispersam, vou pra casa observando os movimentos das pessoas se organizando em caronas para irem a outros sítios continuar a noite festiva ou então em sua ida para casa em algum ponto num dos bairros da Grande Lisboa.
É possível ver um típico discurso da lusofonia, anunciando o show do Yuri no endereço www.hojelusofonia.com/yuri-da-cunha-numa-digressao-%C2%ABlusofona%C2%BB/
Notícia sobre Os Lambas: jornaldeangola.sapo.ao/17/0/lambas_cantam_em_portugal

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Simbologia do corpo em 'Antropologia da Comunicação Visual', de Massimo Canevacci.



Com o término da guerra fria (década de 1950) a juventude libertou-se da perspectiva da experiência da guerra, de fato, e com isso emergiu dentre os mesmos uma falsa sensação de liberdade, a qual era expressa nas vestimentas, no comportamento e no imaginário. No entanto, tal sensação de liberdade chocava-se diretamente com as normas morais vigentes de então, e com ela, veio também uma grande onda de repressão à mesma. Dentro desses anos, no meio de todas as contradições sociais de então, “O corpo tornou-se o símbolo que remete à utopia de uma sociedade harmonizada com a natureza, depois de dissolvidas as ilusões das mercadorias.” (CANEVACCI, 1990) e as crescentes quantidades de imagens que remetiam ao mesmo iam de encontro com as relações jurídicas e éticas de tal contexto.

Um belo retrato de tal momento pode ser conferido no filme Easy Rider, dirigido por Dennis Hopper e lançado em 1969, onde dois amigos viajam pelos EUA no fim da década de 1960, experimentando tanto as venturas quanto as desventuras desta incipiente liberdade. As mensagens corporais tornam-se uma obsesão da civilização, ao mesmo tempo em que supostamente legitimam a maturidade dos indivíduos . Uma “cultura do consumo”, onde cada um e seu modelo de vida tornam-se mercadorias, passa a se instituir e se estabelecer a partir do estabelecimento e difusão compulsiva de símbolos. Tais símbolos incitam seu consumo, e minúcias passam a distinguir roupas e livros, bem como classes e subculturas.

A troca de mercadorias passa a implicar em troca de imagens e experiências corporais, segundo Canevacci, nasce um “status game” onde cada um expõe seus próprios signos e dedica-se a decifrar os que os cercam, para chegar dessa forma a uma “consciência do seu papel”. Esta sociedade, definida pelo autor como “pós-industrial”, utilizada tão demasiadamente os signos que termina por gerar uma “sign-flacion” onde o corpo situa-se no centro. Tal ‘cultura do consumo’, preocupa-se mais com o estabelecimento de hierarquias e diferenças de gosto, do que com sua suposta autonomia.

No interior do significado do termo símbolo, subjaz a existência de algo maior ao qual tal símbolo remete, este funciona como a parte fracionada de um todo e aludir constitui sua “condição existencial”. Com o advento da sign-flacion, o processo de simbolização começa retroceder. Segundo Canevacci, uma pressão social passa a desejar com mais intensidade uma união rápida do signo ao todo que representa, iniciando dessa forma uma “dessimbolização do corpo em público”. Cultura de massa e cultura visual passam a fundir-se.

Para Canevacci, 2 exemplos dessa ânsia pela união rápida ou até mesmo óbvia entre o símbolo e seu todo são fundamentais, a video-music e as simulações sexuais em público. Segundo o autor, o corpo e o sexo tornam-se mais eles mesmos, na medida em que passam a ser visualizados, musicalizados e representados em público, “(...) os símbolos sexuais, expressos tradicionalmente pela música e pela dança, são agora concentrados e acelerados em performances repetitivas – o video scape -, que expõe atos genitais dessimbolizados.” (CANEVACCI, 1990). Esse novo cenário, dos clipes musicais, proporcionam uma paisagem onde o narcisismo e a simulação sexual se condensam em verdadeiros “manuais sexuais”. As imagens abaixo foram retiradas de clipes musicais contemporâneos:

Prince 50 Cent Lady Gaga

Simulações sexuais em público é o segundo exemplo, citado por Canevacci. Segundo o autor, tais simulações representam transformações antropológicas mais abrangentes referentes aos valores sociais aceitos. O quadro abaixo, retirado do texto de Canevacci, exemplifica tais posições, atravéz das quais os jovens, a partir da divulgação de habitos privados, adquirem status de maturidade genital.



Numa breve comparação conclusiva, o videograma musical de Prince ou de Madonna produz um video-scape através da reprodutididade técnica; e o ideograma corporal dos jovens pares produz um visual-scape através da aurática ‘hic et nunc’. Ambos são aspectos da ‘paisagem cultural visual, que unifica os códigos e comportamentos através da dessimbolização do herói em público. ” (CANEVACCI, 1990). A comunicação visual, e sua característica reprodutividade, proporciona ao corpo, então, a capacidade de apresentar-se como ambiente rico em possibilidades de montagens simbólicas.


Referências

- CANEVACCI, Massimo. Antropologia da Comunicação Visual. São Paulo, Editora Brasiliense, 1990.

- RIBEIRO, José da Silva. NOTAS PARA UM DEBATE EM ANTROPOLOGIA VISUAL. Revista Mackenzie Educação, Arte e História da Cultura, 2003/2004. Disponível em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Editora/Revista_Arte_Historia_Cultura/Revista_20Mack._20Arte_20jose_20da_20silva_20ribeiro_2006.pdf. Acesso em 07/07/10.


Texto produzido por Carla Luedy para o Gerts.


Ps: publico através da conta de Yérsia devido a problemas com a minha.


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura

Por Priscilla Araujo Guarino Silveira


Clifford James Geertz nasceu no dia 23 de agosto de 1926 na cidade estadunidense de São Francisco e morreu no dia 30 de outubro na Filadélfia. Ele foi um grande antropólogo, professor da Universidade de Princeton em Nova Jérsei e autor de importantes obras que ainda hoje contribuem para os estudos das ciências sociais. Dentre elas destacam-se: O Saber Local, Obras e Vidas, Nova Luz Sobre a Antropologia e A Interpretação das Culturas.
O livro A Interpretação das culturas é um tratado de teoria cultural desenvolvido através de análises concretas. Ele é constituído de cinco partes e tem em seu primeiro capítulo uma critica de Geertz ao uso desenfreado do conceito de cultura, pois, para o antropólogo o uso “desmedido” desse conceito confunde mais aos estudiosos, do que os esclarece em suas pesquisas. Assim, para o autor, esse conceito de cultura é essencialmente semiótico, pois ela não serve a uma ciência experimental regida por leis, mas, serve a uma ciência interpretativa em busca de significados e conclusões. Desta forma, a cultura não simboliza um poder sobre os quais possam ser atribuídos casualmente os comportamentos, os acontecimentos sociais, as instituições e os processos, o que de fato ela simboliza é um contexto na qual todos estes elementos estão inseridos.
Depois de analisar o uso do conceito de cultura, Geertz prossegue neste capítulo descrevendo qual é o objeto da antropologia e o que é a descrição densa. Deste modo, para o autor, o objeto antropológico é uma hierarquia de estruturas significantes e superpostas que permitem distinguir um comportamento espontâneo como um tique nervoso de suas imitações e de seus ensaios de imitações, através da observação e da interpretação do comportamento ocorrido. Já a descrição densa é analisada por Geertz como parte integrante do objeto antropológico, pois, distingue um tique nervoso de uma simples piscadela, por ser ela formada de dados significantes, cuja densidade exige interpretações. E essa descrição densa possui características peculiares, pois, além de ser microscópica, ela interpreta o fluxo do discurso social para salvar e transformar tudo o que fora dito em registros pesquisáveis, de modo que ele não se extinga.
Clifford Geertz ainda nesse capítulo, explica ao leitor o que significa à luz da antropologia a escrita fixa. Segundo ele, tudo aquilo que é falado num discurso é carregado de significados e do mesmo modo que a descrição densa exige que se compreenda o que fora dito e que se interprete o acontecimento, assim também o é a escrita fixa. Por isso, os textos antropológicos são considerados interpretações, porém, interpretações de segunda e terceira mão, pois, só é considerada de primeira mão a interpretação feita pelos interlocutores do diálogo original, já que a sua cultura está inserida no discurso. Assim, para o autor, a interpretação de um discurso seguida de sua escrita fixa faz parte do conhecimento antropológico e a cada pesquisa, é importante aprofundar a busca pelas particularidades e as condições de entendimento das culturas localizadas, diferentemente do que sugeria Levi- Strauss que propunha interpretar o conhecimento antropológico através da unidade psíquica do pensamento.
O autor conclui sua analise dizendo que ao olharmos as dimensões simbólicas dos comportamentos e ações sociais (arte, moralidade, religião, lei, ideologia, senso comum e etc.), não devemos afastar os nossos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de forma não emocionalizada, mas, que devemos mergulhar no meio delas. Sendo assim, a vocação essencial da antropologia não é responder as nossas questões mais profundas, mas colocar a nossa disposição as respostas que outros deram e assim incluí-las no registro de consultas para que estes posteriormente venham a ser pesquisados.
Por fim, esse primeiro capítulo apesar de toda sua “densidade” é muito importante para aqueles que são amantes das ciências sociais. Pois, para que possamos ampliar nosso conhecimento antropológico é necessário que leiamos e entendamos a analise que Geertz faz sobre o uso do conceito de cultura, o objeto antropológico, descrição densa e a escrita fixa.

Bibliografia:

GEERTZ, Clifford James. A Interpretação da Cultura. In: Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura. Rio de Janeiro: Zahar Editoriais, 1978, PP 13-41.

domingo, 18 de julho de 2010

A invenção da Serpanidade

Desde que cheguei em Aracaju, há 5 anos, uma discussão está em curso, um debate sobre identidade sergipana. De uns tempos pra cá cunhou-se um denominador que tem tido algum efeito sobre um alegado vazio anterior: Sergipanidade. Acho que poderíamos começar a prestar atenção em como isto se constrói? Desde quando? Quais são os elementos, símbolos, ressaltados? Retóricos e/ou alegóricos? O que (que símbolos) está ausente nos discursos? O que (que símbolos) está massivamente presente? Aqui segue uma provocação para pesquisas e uma demonstração de material para análise. Abraços.
http://http://www.infonet.com.br/sergipanidade/
http://digital.cinform.com.br/aberto/caderno/?codigo=4720102085472121

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Próximo Texto e Boa Música Angolana

A Priscila deveria apresentar esta sexta o seu texto, mas em virtude de alguns contratempos pessoais solicitou-me para apresentar no início da próxima semana. Enquanto isto aproveitem para comentar ainda o texto do Stuart Hall e ouvir um pouco de boa música Ango-Brasuca, com Abel Duere. É só acessar o site. Abracos!
http://www.abelduere.com.br

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A identidade em Questão [Stuart Hall]

Stuart Hall nasceu em Kingston em 3 de fevereiro de 1932 é um teórico cultural jamaicano que trabalha no Reino Unido.Ele contribuiu com obras chave para os estudos da cultura e dos meios de comunicação,assim como para o debate político.O trabalho de Hall é centrado principalmente nas questões de hegemonia e de estudos culturais , a partir de uma posição pós-gramsciana. Seus trabalhos – como os estudos sobre preconceito racial e mídia– são considerados muito influentes e fundadores dos contemporâneos estudos culturais. Embora menos conhecido na América Latina, Hall é muito respeitado na Europa e na América do Norte.

A identidade em questão

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificador. A assim chamada ‘’crise de identidade’’ é vista como parte de um processo mais amplo de mudança. É com essa afirmação que o autor inicia o livro.

No primeiro capítulo ele lida com mudanças nos conceitos de identidade. Parte de uma posição simpática à afirmação de que as identidades modernas estão sendo ‘’descentradas’’, isto é, deslocadas ou fragmentadas. Seu propósito é o de explorar esta afirmação, ver o que ela implica, qualificá-la e discutir quais podem ser suas prováveis conseqüências. Ao desenvolver o argumento, introduz certas complexidades e examina alguns aspectos contraditórios que a noção de ‘’descentração’’, em sua forma mais simplificada, desconsidera.

Este capítulo foi dividido em três partes, e vou falar um pouco sobre cada uma delas:

- Três concepções de identidade

- O caráter da mudança da modernidade tardia

- O que está em jogo na questão das identidades

Três concepções de identidade

  1. Sujeito do Iluminismo
  2. Sujeito sociológico
  3. Sujeito pós-moderno

O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um individuo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo ‘’centro’’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo.O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.Essa era uma concepção ‘’individualista’’ do sujeito e de sua identidade ( na verdade, a identidade dele: já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como masculino).

A concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na ‘’interação’’ entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o ‘’eu real’’, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘’exteriores’’ e as identidades que esses mundos oferecem. A identidade nessa concepção preenche o espaço entre o ‘’interior’’ e o ‘’exterior’’ – entre o mundo pessoal e o mundo público. A identidade então, ‘’sutura’’ o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. São exatamente essas coisas que agora estão ‘’mudando’’. O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado.

É através desse processo, que vem sendo produzido o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘’celebração móvel’’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘’eu’’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.

As três concepções de sujeito citadas acima, são, em alguma medida,simplificações.Elas se prestam como pontos de apoio para desenvolver o argumento central do livro.

O caráter da mudança da modernidade tardia

Em essência, o argumento é que a mudança na modernidade tardia tem um caráter muito específico. Como Marx disse sobre a modernidade.

é o permanente revolucionar da produção,o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos...(Marx e Engels,1973,p.70)

As sociedades modernas são, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e permanente. Esta é a principal distinção entre as sociedades ‘’tradicionais’’e as ‘’modernas’’.

Giddens cita, em particular, o ritmo e alcance da mudança – ‘’à medida em que áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras,ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra’’- e a natureza das instituições modernas (Giddens,1990,p.6).Mais importantes são as transformações de tempo e do espaço e o que ele chama de ‘’desalojamento do sistema social’’ – a ‘’extração’’ das relações sociais dos contextos locais e de interação e sua reestruturação ao longo de escalas indefinidas de espaço-tempo’’(ibid.,p.21).

David Harvey fala da modernidade como implicando não apenas ‘’um rompimento impiedoso com toda e qualquer condição precedente’’,mas como ‘’caracterizada por um processo sem fim de rupturas e fragmentações internas no seu próprio interior’’(1989,p.12).

Ernest Laclau (1990) usa o conceito de ‘’deslocamento’’. Uma estrutura deslocada é aquele cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por ‘’uma pluralidade de centros de poder’’. As sociedades modernas, argumenta Laclau, não tem nenhum centro, nenhum princípio articulador ou organizador único e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma única ‘’causa’’ ou ‘’lei’’.

Giddens, Harvey e Laclau oferecem leituras um tanto diferentes da natureza da mudança do mundo pós moderno, mas suas ênfases na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento contêm uma linha comum.

O que está em jogo na questão das identidades

As identidades quando contraditórias, elas se cruzam ou se ‘’deslocam’’ mutuamente. Nenhuma identidade singular, por exemplo, de classe social, pode alinhar todas as diferentes identidades com uma ‘’identidade mestra’’única, abrangente, na qual possa, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e representadas. De forma crescente, as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes.

Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganha ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença.

[Hall,Stuart. A identidade Cultural na Pós-modernidade.Tradução: DP &A. Editora,2006.]

[Flávia Amanda]

terça-feira, 6 de julho de 2010

Cinema Africano

Encontrei um interessante dicionário sobre cinema africano. Organizado por ARMES, Roy. Dictionnaire des cineastes africains de long métrage. Paris, editions Karthala, 2008. Se desejarem ter acesso aos títulos de filmes produzidos na África e seus realizadores, com ficha técnica e biografia, entrem no site: www.cine3mondes.fr Particularmente, estou interessado no cinema angolano, registro aqui alguns dos principais cineastas e filmes produzidos no país:
Sarah Maldoror (Sambizanga, 1972), Ruy Duarte de Carvalho (Nelisita: narrativas nyaneka, 1982), António Olé (Resistência Popular em Benguela, 1976), Orlando Fortunato (Memória de um dia, 1982), Jorge António (O Miradouro da Lua, 1992), Maria João Ganga (Na Cidade Vazia, 2004), Zezé Gamboa (O Herói, 2006), Ondjaki (Oxalá Cresçam Pitangas, 2006).